sexta-feira, 22 de abril de 2011

CRISE EXISTENCIAL

-O que te fez vir até a mim? a procurar minha ajuda?
-Doutor, eu vim até aqui para tentar entender os humanos e ao mesmo tempo conhecer minha origem.
- Certo, então sinta-se à vontade para falar. Dar-te-ei toda atenção.
- Doutor, andei vendo e estudando o comportamento de alguns desses seres mas não consigo compreendê-los.
Mês passado, um casal apaixonado, estavam um tempo afastado por brigas bobas, se reencontrou, e a jovem moça jogou a culpa em mim por tal fato. Tudo bem, fiquei feliz por eles mas não fui eu quem os uniu.
- Quantos anos ela tinha?
- Devia ter entre seus dezoito e vinte anos.
-Certo... prossiga!
- Há pouco tempo ocorreu uma fatalidade que afastou esse casal de novo, só que dessa vez sem volta. A menina faleceu devido a um acidente de carro. Adivinha doutor, em quem o jovem rapaz desconsolado jogou a culpa? Em mim! Doutor, eu juro, eu não mato ninguém nem forjo meios para que isso aconteça. Não forjo nada para ninguém, eu mesmo não sei se existo, como poderei criar algo para os que tem certeza que existem? Eles me criam, simplesmente.
- E esse jovem rapaz? Qual a idade?
- Esse eu creio ter seus vinte e cinco anos.
- Sim, prossiga.
- Ontem, uma criança de aproximadamente dez anos atravessava a rua quando um homem ultrapassou o sinal vermelho, atropelou e matou aquela pequena alma. Eis que me surge um comentário de uma senhora que viu o corpo da criança estendida no chão, dizendo que eu era cruel.
De novo, doutor, porque eu? Eu já disse que não mato nem crio nada nem ninguém, eu que sou criada, talvez fruto da imaginação de alguém ou me pegaram parar servir de culpado de tudo. Por que tudo que acontece entre os humanos tem de ser culpa minha? Por que?!
- Humm... interessante observação a sua. Mas já parou para pensar que os humanos não gostam de ser culpados por nada? Só querem ter o mérito de atitudes que lhes tragam “status”, reconhecimento?
- Mas por que logo eu tenho de ser o responsável?
- Porque nós humanos te criamos para isso.
- Doutor, o senhor acredita em minha existência?
- Não.
Bom, por hoje nosso tempo se esgotou. Lembre-se sempre de se desligar de todas suas tensões, vá se distrair, tirar umas férias.
- Então está certo, semana que vem volto para mais uma seção. Até mais.
Saindo de seu consultório, o terapeuta presencia o atropelamento e morte consequente de um jovem estudante. Indignado com a cena, ele reclama mentalmente:
-“Uma vida perdida. Esta criança tinha um mundo pela frente e morre assim, tão tragicamente. Mas que frieza do destino...”
                                                              (Natan Boanafina)
               

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